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– Do Prólogo
Introduction
Scène dansante
Finale
– Do Acto I
Valse
Adagio
Finale
– Do Acto II
Entr’acte et scène
Entr’acte symphonique et scène
Finale
– Do Acto III
Polacca
Pas de quatre
Apotheose
Tchaikovski é um dos nomes mais relevantes da afirmação da música russa da segunda metade do séc. XIX. O seu percurso, como o de tantos outros compositores, é marcado por uma aptidão musical precoce que se fez notar nas aulas de piano que teve inicialmente em Votkinsk e depois em São Petersburgo. Também cursou direito, por pressão familiar, e chegou mesmo a trabalhar no Ministério da Justiça, abandonando depois essa posição para se dedicar inteiramente à música. Em 1865 concluiu o curso de música no Conservatório de Música de São Petersburgo, onde pôde estudar as obras dos mais destacados compositores europeus, sobretudo germânicos, que influenciariam grandemente o seu estilo composicional e a sua perspectiva estética.
O primeiro grande sucesso viria em 1869 com a fantasia Romeu e Julieta, obra depois revista, mas na qual afirmava a sua visão sobre a orquestração e a forma musical, claramente influenciada pela formação musical mais próxima do cânone centro-europeu e mais afastada da linguagem nacionalista do grupo dos cinco (Mili Balakirev, Nikolai Rimski-Korsakoff, Modest Mussorgski, Cesar Cui e Alexander Borodin). A sua relação com o diletante grupo dos cinco será pautada por posições contraditórias que podemos ler, por exemplo, na extensa correspondência com o seu mecenas Nadezhda von Meck. Algumas das suas obras também incluíram referências a elementos nacionalistas, como por exemplo o famoso final da Sinfonia n.º 2, comummente apelidada de “Pequena Rússia”, que foi bem recebida pelo grupo dos cinco na sua estreia em 1872. No entanto, ao contrário da maior parte dos colegas desse grupo, Tchaikovski tinha uma educação musical formal centrada nas práticas de composição da tradição da música erudita centro-europeia (germânica), por via do seu professor Anton Rubinstein. É esta tradição que perfaz o seu campo de acção favorito, sobretudo na exploração da forma, da tonalidade e do melodismo que lhe é característico. A sua produção musical inclui 6 sinfonias (e uma incompleta), 11 óperas, obras concertantes, suites orquestrais, obras para piano, entre outras, destacando-se três bailados sobejamente conhecidos do grande público: O Lago dos Cisnes (1875-1876), A Bela Adormecida (1889) e O Quebra-Nozes (1892).
O ano de 1888 foi importante para Tchaikovski por vários motivos. Para além do valor anual que passou a receber do Czar Alexandre III, iniciou no final de 1887 a sua primeira digressão como maestro, começando em Leipzig, onde se encontra com figuras como Brahms e Grieg, seguindo-se vários concertos em cidades como Londres, Praga e Paris, com regresso à Rússia em Março. Estes concertos permitiram-lhe contactar com nomes como Mahler, Dvořák, Gounod, Delibes, entre outros. Em Outubro desse ano é abordado por Ivan Vsevolozhski (1835-1909), director do Teatro Imperial, que lhe propôs a composição de música para um bailado baseado em Undine, um conto fantasioso de Friedrich de la Motte Fouqué. Após algumas conversações, o conto A Bela Adormecida de Charles Perrault foi considerado mais adequado para apresentar como o novo bailado patrocinado pelo Czar Alexandre III.
Este conto foi publicado em 1697 sob o título La Belle au bois dormant, na colectânea Les contes de la mêre l’Oye (Os Contos da Mãe Ganso), juntamente com outros contos que fazem parte do imaginário infantil desde há várias gerações. Dada a importância deste trabalho, Tchaikovski recebeu informações muito precisas de Marius Petipa (1818-1910), coreógrafo e director do Ballet Imperial de São Petersburgo, sobre a perspectiva que tinha para este bailado, com elementos que iam além do conto de Perrault. A versão final da obra ficaria concluída em Agosto de 1889, depois de mais uma digressão pela Europa entre Janeiro e Março. A composição da música para este bailado permitiu a Tchaikovski aliviar um ciclo depressivo e de grande instabilidade emocional. Lemos na sua correspondência que encontrou em A Bela Adormecida uma paz que não havia encontrado n’O Lago dos Cisnes, por exemplo, como fica patente numa carta ao seu mecenas, na qual refere: “Parece-me, cara amiga, que a música para este bailado será um dos meus melhores trabalhos. O assunto é tão poético, tão perfeito para música que, quando estava a criar, deixei-me levar e escrevi com o calor e o desejo, o que determina sempre o valor do trabalho”.
A estreia absoluta do bailado A Bela Adormecida, em três actos, teve lugar no Teatro Imperial Mariinski, em Janeiro de 1890, com direcção musical de Riccardo Drigo, tornando-se de imediato um grande sucesso. O Czar Alexandre III terá também apreciado a obra sem, no entanto, tecer muitos elogios. Para Tchaikovski este era um dos seus melhores trabalhos, conjugando a solidez da linguagem sinfónica com o mais profundo imaginário suscitado pela fábula de Perrault.
Encontramos na introdução sinfónica duas forças claramente em conflito que são exploradas ao longo dos três actos, em particular as representações simbólicas do bem e do mal, respectivamente a Fada Lilás e a terrível Carabosse, às quais estão associados temas melódicos que surgem em diversas ocasiões. No bailado, o prólogo que antecede os três actos prepara os ingredientes que se desenvolvem posteriormente, nomeadamente o destino trágico que Carabosse antevê para a recém-nascida princesa Aurora. Depois de não ter sido convidada para a festa de baptizado, e sentindo-se ultrajada, promete que quando fizer 16 anos Aurora irá ser picada por uma agulha e dormir um sono eterno. A Fada Lilás, ouvindo isso e não tendo ainda oferecido o seu presente, contraria a terrível ideia de Carabosse, referindo que Aurora apenas dormirá até que um príncipe a beije. O rei acaba por proibir todos os objectos aguçados, por receio de que a profecia se realize. O primeiro acto, o feitiço, inicia-se precisamente com os 16 anos de Aurora e com os pretendentes que a visitam, seguindo-se uma dança entre todos. Uma velha aproxima-se com um ramo de rosas escondendo uma agulha, que oferece a Aurora. A princesa nunca tinha visto tal objecto, acabando por se picar e entrar num sono profundo. Surge de imediato a Fada Lilás, que reafirma a sua promessa. O segundo acto decorre 100 anos depois, quando o príncipe Desiré se encontra a caçar na floresta e a Fada Lilás lhe mostra uma imagem da princesa Aurora, deixando-o enamorado. Ambos viajam num barco encantando até alcançarem o palácio, onde Desiré encontra Aurora e todos os outros enfeitiçados. Depois de a beijar, esta desperta e todos saem do feitiço, aproveitando o príncipe para pedir a mão de Aurora ao Rei Florestan. No terceiro acto, o casamento tem finalmente lugar e a alegria e a felicidade são celebradas, o bem vence o mal, o amor vence a maldade.
A selecção apresentada neste programa percorre os principais momentos do bailado. Da imponente introdução, cheia de carácter e de orquestração magistral, ao intenso Finale, em Allegro vivo, passando pela elegante e doce Scène dansante. Do Acto I, destaca-se a Valsa animada, com uma forte participação dos metais, seguindo-se depois momentos mais graciosos com uma melodia bem conhecida do público. O Adagio introduz-nos no mundo do fantástico com os arpejos da harpa seguidos por um movimento calmo da orquestra. O Finale incorpora um cenário de inquietação marcado pelo diálogo entre secções da orquestra, seguindo-se um movimento vivo das cordas.
As trompas anunciam o magistral Entr’acte et scène, já no Acto II, seguindo-se o lírico Entr’acte symphonique et scène que antecede o vivo Finale que celebra o despertar de Aurora. Do Acto III, encontramos uma selecção com a Polacca, que diz respeito ao casamento entre Aurora e Desiré, mais especificamente ao desfile das fadas, tratado aqui com um carácter brilhante. Segue-se o Pas de quatre, anunciado pelo flautim e com maior destaque para as cordas, antecedendo nesta selecção a Apotheose, iniciada pelos metais marcando um momento mais solene, ao qual se segue a exposição da melodia, sempre marcada com o ritmo inicial, quer pelas cordas, quer depois pelo vigor dos metais.
Pedro Russo Moreira, 2018