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  • As últimas sete palavras de Jesus Cristo de Joseph Haydn (1732-1809), título que pode induzir em erro pois a expressão ‘palavra’ é aqui utilizada no seu significado mais alargado de mensagem, assume-se como um caso particularmente singular na história da música. Em 1786, um cónego da cidade de Cádis encomendou a Haydn uma peça instrumental inspirada em sete frases alusivas à paixão de Cristo, retiradas de diferentes evangelhos, para ser apresentada na Sexta-feira Santa do ano seguinte. Esses momentos musicais seriam intercalados com sermões alusivos a cada uma das frases. No fim de cada sermão, o sacerdote descia do púlpito e prostrava-se no chão, diante do altar, enquanto decorria a música. Esta era uma tradição na celebração da Quaresma em Cádis e Haydn recebeu instruções específicas, nomeadamente sobre as circunstâncias cénicas em que decorria a celebração, com as paredes, pilares e janelas da Catedral revestidas de panos pretos e a cerimónia a começar exactamente ao meio-dia. Para o compositor, este foi um grande desafio pois o próprio considerou que era extremamente difícil escrever sete Adagios seguidos, com durações aproximadas de 10 minutos, sem desencorajar a audição dos ouvintes e a sua capacidade de concentração. Normalmente, mesmo na música sacra, os compositores alternam andamentos com velocidades diferentes para criar variedade nas dramaturgias.

    A este pesado cerimonial, acresceu o facto do local da celebração não ter lugar na Catedral de Cádis, como Haydn pensava, mas numa gruta sagrada onde não entrava a luz do dia. A versão original foi orquestrada para flautas, oboés, fagotes, trompetes, quatro trompas, cordas e percussão. Foi apresentada em diversos locais na Europa, sempre com grande sucesso, e Haydn preparou uma versão para quarteto de cordas e outra para piano (podendo ter as frases cantadas por voz de soprano) que permitiram ainda uma maior divulgação da obra.

    A versão que escutaremos hoje é para orquestra de cordas e resulta de uma transcrição do maestro Laurence Cummings a partir da versão original para orquestra. Cada andamento será precedido de uma leitura de textos seleccionados por Nuno Carinhas.

    Após uma introdução em Ré menor, com ritmos pontuados em estilo declamatório e com efectivas mudanças de registo, seguem-se sete sonatas, todas em tempo lento, que pretendem retratar a atmosfera sugerida pelas palavras. Ao longo da obra destacam-se vários momentos: a mudança da tonalidade de Dó menor para Dó maior, no 3º andamento, é um recurso que traz luminosidade à obra numa alusão à chegada ao paraíso (“Em verdade te digo que hoje estarás comigo no Paraíso”); os recorrentes ‘suspiros’ em notas descendentes que ecoam em vários andamentos e que aludem ao sofrimento de Cristo num recurso de retórica herdado do período Barroco; a ambiguidade tonal em “Deus meu, Deus meu, porque me desamparaste?” ou, ainda, a referência mais directa ao Terramoto com o recurso a diversos trilos em uníssono. É com este Terramoto, após a morte de Jesus, que a obra termina numa alusão ao castigo que Deus inflige ao Homem pela sua cobiça e maldade. Este andamento é particularmente interessante nesta obra pois faz um eco histórico do terramoto de Lisboa (1755), o qual foi falado em toda a Europa, ao ponto de ter um forte impacto no pensamento da elite intelectual da época. Mas a razão por que a obra termina com este terramoto é porque a tragédia que arrasou Lisboa deixou um rasto de destruição na própria cidade de Cádis, devido ao maremoto que desencadeou e que arrasou a zona marginal dessa cidade.

    As últimas sete palavras de Jesus Cristo é uma das muitas encomendas que Joseph Haydn recebeu de vários países da Europa quando alcançou o estatuto de maior compositor vivo do seu tempo. Para além do grande sucesso que a obra alcançou na época, permanece como uma das obras mais apreciadas por entre os melómanos conhecedores do repertório Clássico em geral e da obra de Haydn em particular.


    Rui Pereira

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