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1. Lento Scuro (Bass War)
2. Largo Mesto (in the Steppes)
Também conhecido como la Grancassa (italiano), basstrommel (alemão) e ainda la Grosse Caisse (francês) – que literalmente pode ser traduzido como ‘grande caixa’–, o bombo produz as frequências mais graves da orquestra e é utilizado para criar alguns dos momentos mais violentos, mas não é nunca considerado um instrumento solista. Por não ter uma altura definida e por parecer à primeira vista um instrumento bastante limitado, não é surpreendente a inexistência de repertório escrito especificamente para bombo a solo. Mas em 2011 comecei a pensar que seria interessante compor um Concerto para bombo… Já em Fevereiro de 2012, depois de 3-4 meses de composição, e com algumas horas de ensaio, a obra foi estreada pelo virtuoso percussionista inglês Joby Burgess com a Sinfónica de Princeton (dirigida por Rossen Milanov, em Princeton – Nova Jérsia, a 9 de Fevereiro de 2012); logo de seguida, a 21 de Fevereiro, foi tocado pela Chicago Composers Orchestra (dirigida por Matthew Kasper); e a estreia europeia deu-se com a London Contemporary Orchestra (dirigida por Hugh Brunt) na Roundhouse (Camden, 3 de Março de 2012).
Um Concerto para bombo não é, de modo nenhum, um golpe de astúcia ou uma peça humorística; há razões válidas pelas quais este instrumento merece ser tratado como solista num concerto.
Em primeiro lugar, o bombo é um dos instrumentos mais ubíquos do nosso tempo. Praticamente onde quer que eu vá, por todo o mundo, mais tarde ou mais cedo ouço um bombo a bater a partir da aparelhagem de carros, de lojas, de clubes e bares; o bombo está em todo o lado… O mais habitual é que seja esse o primeiro som que ouvimos quando nos aproximamos de um clube ou do local onde se realiza uma performance musical; e, na música de dança electrónica, são muitos os produtores musicais obcecados pela obtenção do som perfeito de bombo. Embora possa levar-nos à loucura quando martela através das nossas paredes às 4 da madrugada quando os vizinhos fazem uma festa, é na verdade um dos instrumentos essenciais do século XXI.
Na música clássica, o bombo é usado apenas ocasionalmente e de forma muito trivial, mas na verdade é um instrumento com uma gama considerável de possibilidades sonoras – e a partir do momento em que se inicia a experimentação, muitos mais sons vão emergindo:
- ‘tocks’ & ‘clicks’ ao bater nos aros do instrumento;
- estalidos metálicos obtidos a partir dos parafusos e estrutura nas peças metálicas);
- gemidos que lembram os de uma baleia, através da fricção da pele com um dedo molhado ou de uma bola de borracha ‘Super-Ball’;
- finalmente, a percutir sobre o própria pele permite uma enorme variedade de sons dependendo: do tipo de baqueta usada; da zona da pele que é percutida; e, muito importante, da forma como a ressonância do bombo é abafada.
A análise musical refere-se apenas dois andamentos do concerto (são quatro na versão completa, com uma abertura/introdução opcional). Cada um dos andamentos explora diferentes possibilidades técnicas e ambientes sonoros, e a relação do instrumento com a orquestra. São também explorados muitos dos diferentes ritmos geralmente associados ao bombo. O seu poder e energia, naturalmente, foram grandes focos de inspiração.
1. Lento Scuro (Bass War)
O andamento inicia-se com uma mostra da rica profundidade e poder dos baixos do bombo, com um rufo em crescendo muitíssimo lento. Depois, o bombo desafia a orquestra a igualar o seu poder e as suas frequências graves. O solista coloca então uma corrente no instrumento para lhe dar um ribombar agressivo e sujo (um efeito metálico de caixa), tocando um groove do tipo half-step. No final do andamento, o solista rola o bombo revelando uma corda de tripa que sai do centro do instrumento, e que é friccionada com os dedos ou um arco criando um efeito de ‘rugido de leão’.
2. Largo Mesto (in the Steppes)
O ambiente aqui é mais contemplativo, menos dissonante, com um carácter modal menor ligeiramente russo (daí o subtítulo: nas Estepes).
O solista usa apenas as suas mãos em todo o andamento: batendo levemente com as palmas, o punho e os dedos, usando dedais para criar clicks e ticks nos aros e peças metálicas.
A segunda parte mantém-se estática num acorde aberto e sem vibrato das cordas, sobre o qual o solista fricciona a pele do bombo com um dedo húmido e uma bola de borracha ‘Super-Ball’, criando lamentos assombrosos que lembram baleias e notas subgraves muitíssimo profundas.
Muito mais haveria a dizer sobre este concerto. O papel da orquestra é tão importante como o do bombo – naturalmente, é ela que conduz a harmonia e a melodia. Mas o solista, sem dúvida, é o bombo, que ainda assim consegue conduzir a maior parte dos desenhos melódicos, já que um bom solista consegue produzir vários sons claramente diferentes, fazendo uso da marcação de diferentes pontos no bombo de forma a facilitar a consistência da interpretação. Há também uma forte sensação de viagem musical no concerto, influenciada pelo entusiasmo de compor para um enorme membranofone, mas também com influências subconscientes (e ocasionalmente conscientes) de acontecimentos tumultuosos que marcaram o mundo ao longo de 2011 (tais como os motins em Londres ou a Primavera Árabe).
Gabriel Prokofiev, 2012
Tradução: Liliana Marinho/Fernando P. Lima