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1. Viagem de Siegfried no Reno
2. Marcha Fúnebre
3. Cena da Imolação de Brünnhilde
Richard Wagner assumiu-se como uma figura de grande relevo na história da ópera, uma vez que a sua orientação reformista foi decisiva na emergência de uma nova concepção do género, tendo as suas ideias alcançado um impacto bastante alargado nas décadas subsequentes. A génese de Der Ring des Nibelungen remonta ao ano de 1848, quando o compositor elaborou um resumo em prosa, intitulado Siegfrieds Tod, que mais tarde corresponderia a Götterdämmerung. Os primeiros esboços musicais para a obra que encerraria a sua tetralogia datam do Verão de 1850, mas o grosso da sua composição ocorreria entre 1869 e 1874, tendo a sua estreia sucedido em 1876, sob a direcção de Hans Richter, na ocasião da estreia do ciclo completo. Construída em três actos e um prólogo, reflectindo desta forma a estrutura global do ciclo, esta é uma obra representativa da mestria do compositor no tratamento do drama e dos motivos musicais, nomeadamente pela profusão e habilidade contrapontística com que faz uso do Leitmotiv, gerador de efeitos psicológicos poderosos. A eficácia deste mecanismo constitui, com efeito, uma das razões para o sucesso que os excertos sinfónicos wagnerianos sempre obtiveram na sala de concertos. O próprio Wagner promoveu essa prática, dirigindo frequentemente excertos de óperas suas em concertos sinfónicos. No sentido de garantir o funcionamento desses excertos na sala de concertos, o compositor foi por vezes levado não só a omitir linhas vocais, mas também a compor novas passagens de abertura, de transição e de encerramento.
O primeiro excerto de hoje, “Viagem de Siegfried no Reno”, tem início quando as três filhas de Erda descem à Terra, ocasião em que um interlúdio orquestral evoca o nascer do Sol. A passagem da narrativa em que Siegfried e Brünnhilde assomam da caverna em que se haviam retirado no final de Siegfried, apresentando-se num dueto arrebatador, é omitida nesta peça sinfónica, que transita directamente para a ocasião em que Siegfried parte para novas aventuras. É nesse momento que se inicia novo interlúdio orquestral, que descreve a sua viagem pelo Reno e que liga o Prólogo ao Acto I, uma peça alegre e descontraída, para o que contribui a orquestração bastante colorida.
Na segunda cena do Acto III, após o seu encontro com as Filhas do Reno, Siegfried regressa à caçada da qual se havia afastado, e enquanto bebe jovialmente com Gunther e Hagen, conta as aventuras da sua juventude. No momento em que relata a ocasião em que encontrou Brünnhilde adormecida e a acordou com um beijo, Hagen desfere-lhe um golpe fatal nas costas. A orquestra apresenta um dos motivos heróicos de Siegfried, mas depois de atingir um ponto culminante este acaba por colapsar numa figura de notas repetidas que dá início à “Marcha Fúnebre”. Então, enquanto o corpo de Siegfried é levado em procissão solene, a orquestra entoa um interlúdio lúgubre que recorda temas relacionados com Siegfried e com os Volsungos. Após uma grande afirmação do motivo da Espada no trompete, assim como de motivos que evocam o heroísmo do defunto, sobrevém uma transformação triunfante que conclui em Mi bemol maior, antes de uma última inflexão introspectiva.
A “Cena da Imolação de Brünnilde” inicia-se no momento em que Brünnhilde, com calma e dignidade, entra em cena e ordena que uma enorme pira funerária seja construída junto ao rio. Após uma passagem reflexiva em que considera que Siegfried já havia expiado a sua culpa, monta o seu cavalo Grane, acompanhada pelo motivo das Valquírias, e atira-se para as chamas. O Reno inunda as margens e apaga o fogo, surgindo as Filhas do Reno para reclamar o Anel purificado, e um efeito incandescente é observado nos céus: todos observam, profundamente comovidos, o interior de Valhalla a ser consumido pelas chamas, ao som dos motivos do Crepúsculo dos Deuses, e, finalmente, da Glorificação de Brünnhilde.
Luís Miguel Santos, 2015
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