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  • 1. Marcha

    2. Valsa

    3. Polca

    4. Galop

    – O senhor tem uma teoria, ou uma acepção, particular da tradição?

    Não, eu mostro-me simplesmente muito prudente no uso desta palavra, porque presentemente parece implicar “aquilo que se assemelha ao passado”. É também por esta razão que nenhum bom artista fica satisfeito por ouvir classificar a sua obra como “tradicional”. Na verdade, a verdadeira obra capaz de gerar tradição pode não se assemelhar ao passado, especialmente ao passado imediato, que é o único que a maior parte das pessoas pode entender. A tradição é genérica; ela não é simplesmente “transmitida” de pai para filho; segue um processo de vida: nasce, cresce, amadurece, declina e renasce, talvez. Estes estágios de crescimento e de regeneração estão sempre em contradição com um outro conceito ou uma outra interpretação: a verdadeira tradição vive na contradição.

     

    Assim respondia o compositor russo Igor Stravinski à pergunta do amigo e maestro Robert Craft.

    Entre passado e presente, entre geral e particular, as referências vão-se contrapondo e metamorfoseando, assim como as referências estilísticas díspares que compõem o universo peculiar de cada obra, num jogo de espelhos permanente que constitui uma parte essencial da sua razão de ser e do seu sentido.

     

    Aclamado como grande iconoclasta nas primeiras décadas do século XX graças aos seus bailados, fortemente ligados ao nacionalismo russo (O Pássaro de Fogo, Petruchka e A Sagração da Primavera), Igor Stravinski exemplifica cabalmente uma identidade não estanque e sempre em processo. Depois de, em 1913, escandalizar o público parisiense com as ousadias técnicas e formais da Sagração, voltou-se, circa 1920, para uma escrita que ficaria classificada na memória colectiva como “neoclássica”. O rótulo, redutor como todos os rótulos, enfatiza o intuito de reavivar ou evocar estilos, géneros e formas de música anteriores ao Romantismo.

    As duas Suites para pequena orquestra são na verdade orquestrações feitas entre 1917 e 1925 de pequenas peças para piano a quatro mãos que o compositor havia publicado em dois ciclos anteriores: Três Peças Fáceis para piano a quatro mãos (com mão esquerda fácil), em 1914-1915; e Cinco Peças Fáceis (desta vez com mão direita fácil), em 1916. As oito peças são redistribuídas pelas duas suites. É notória, nestas peças de carácter, a propensão tipicamente stravinskiana para a distorção harmónica, a orquestração imensamente inventiva e o espírito de pendor satírico. As estruturas formais convencionais das suites (com as peças maioritariamente em forma ternária) deixam antever a viragem neoclássica do compositor.

    A Suite n.º 2 inicia-se com os ritmos e sonoridades militares da Marcha (prenunciando A História do Soldado, que Stravinski comporia pouco depois); na Valsa, evocam-se ambientes campestres de forma muito peculiar, com uma orquestração a que não falta excentricidade nos timbres agudos, com um certo ar mecânico (à maneira de Petruchka) e respostas entrecortadas do trompete; a Polca, com o seu acompanhamento incessante entre as harmonias de tónica e dominante, traz diálogos cheios de humor e figurações fugazes entre trompete e clarinete (juntando-se-lhes depois trombone); finalmente, a dança endiabrada do Galop, que termina a suite de forma vivaz e virtuosística, com uma orquestração cheia de génio em que se destaca a secção central com trompete reforçado por tuba, acompanhado por notas curtíssimas das madeiras juntamente com o piano e os pizzicatos de cordas. Inconfundivelmente moderna, mas sempre com um fundo dançante, muito longe de escandalizar um público e homenageando a tradição da melhor maneira: provando que é não só possível como inevitável a sua contínua reinvenção. 

     


    Pedro Almeida, 2016

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