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Richard Strauss viveu uma longa e prolífica carreira, estabelecendo-se rapidamente como o mais importante compositor alemão após a morte de Wagner e Brahms. Em 1885 resolveu abandonar o conservadorismo que marcara a sua primeira fase criativa, encetando a composição de uma série de poemas sinfónicos bastante ambiciosos. De facto, a sua produção neste domínio eleva a invenção de Liszt ao seu ponto culminante, expandindo as potencialidades expressivas e descritivas da música programática e aliando-as a uma exploração virtuosística dos efeitos orquestrais que marca a orquestra sinfónica pós-wagneriana. É igualmente notável a sua capacidade de manipulação da forma e da transformação temática, bem como a complexidade harmónica, contrapontística e textural.
Em 1884, na sequência do fracasso da sua ópera Guntram, a temática de Till Eulenspiegel despertava o interesse do compositor para nova tentativa nesse âmbito, interesse que acabaria por resultar antes no poema sinfónico Till Eulenspiegels lustige Streiche, op. 28, composto entre 1894-95. Trata-se de uma obra que narra as travessuras e contratempos de Till Eulenspiegel, uma figura (possivelmente imaginária) que se dedicava à provocação sardónica dos hábitos viciosos e convenções da sociedade, em torno da qual surgiu, desde o século XIV, toda uma série de contos picarescos que obtiveram grande popularidade na Europa Central.
A obra inicia-se com um brevíssimo prólogo (como que anunciando “era uma vez…”), sucedendo de imediato a primeira travessura (e gargalhada) do protagonista: a trompa expõe um primeiro tema, que representa a sua natureza recalcitrante e que ressurgirá sob diversas feições, e o clarinete apresenta um ¬segundo tema de cariz malicioso, também recorrente ao longo da narrativa. O compositor procede então, nos episódios de uma forma rondó em larga escala, com a descrição das travessuras perpetradas por Till Eulenspiegel, como sejam a perturbação que causa num mercado, a provocação de membros do clero (representados pelas violas), a perseguição e tentativa de sedução de uma donzela (o tema amoroso surge nos violinos), bem como o escarnecimento dos académicos (figurados nos fagotes). No momento em que a música atinge um ponto culminante, a atmosfera altera-se abruptamente para uma marcha fúnebre que representa a captura do protagonista, a sua condenação à morte e a sua marcha para o patíbulo. Em resposta às acusações dos trombones, este continua a responder com o motivo insolente no clarinete, não conseguindo evitar o enforcamento, cuja descrição musical é extraordinariamente realista. Tal como assegura a lenda, o final da obra vem sugerir que, mesmo após a morte, o espírito de Till Eulenspiegel continuará a atormentar os seus inimigos.
Luís Miguel Santos, 2015
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