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A história polifónica de Portugal poderia ter sido muito diferente, e muito mais pobre, se não fosse um determinado homem. Em 1575, Manuel Mendes (c. 1547-1605) foi ordenado padre e nomeado para ensinar o coro de meninos da Catedral de Évora, transformando uma escola coral bem-sucedida numa plataforma central para aquela que se tornaria a próxima geração de polifonistas portugueses. Entre os seus alunos estavam não apenas Duarte Lobo e Manuel Cardoso, mas também o grande Filipe de Magalhães. Poderá ser a música de Cardoso a dominar o concerto de hoje, mas Mendes é a sua verdadeira figura nuclear, descrito por um contemporâneo como “Mestre de toda a boa música deste reino”.
Muito pouca música de Mendes sobrevive, mas entre aquela que nos chegou está uma bela adaptação do texto da Antífona para o Domingo de Ramos – Asperges Me. Apesar da sua textura compacta, a oito vozes, a peça tem uma clareza arquitectural, uma austeridade típica do compositor. Tratando as vozes como uma entidade única, mais do que como dois grupos antifonais, a polifonia tem um equilíbrio elegante transferindo paráfrases livres da melodia do cantochão entre todas as partes, antes desta se fixar na voz mais aguda como um cantus firmus, facilmente identificável pelo seu movimento mais lento e sustentado. O resultado equilibra sobriedade quaresmal e contraponto fluido.
Alexandra Coghlan, 2015