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O agradável grafismo de vários tipos de curvas matemáticas levou-me a escolhê-las para estarem presentes na obra, replicadas no movimento sonoro das cordas, sempre em glissando. Este deixa de ser um mero efeito colorístico e torna-se um elemento estrutural – emancipa-se da superficialidade. Em lugar de uma escala de notas, uma escala de curvas que sofrem dilatações verticais alterando a forma como as sentimos.
Nas cordas temos maioritariamente entradas fugadas que remetem para uma nova abordagem à imitação e dão forma a uma grande construção de arquitectura paramétrica. Nas madeiras surgem blocos harmónicos em staccato – uma escrita matematicamente discreta. São blocos em bruto com sonoridades individuais e esculpidos temporalmente: quase como se extraíssemos pedaços de uma rocha num determinado momento.
O acto de composição é quase sempre um acto de adição. Apesar de tecnicamente ter adicionado estes blocos, a minha sensibilidade tenta imaginar que eu sou um escultor do tempo porque é essa a sensação auditiva que este processo me provoca.
Negando qualquer luta ou transição entre os conceitos discreto e linear, eles sobrepõem-se como se fossem uma “politextura”. Quanto aos trombones e à sua disposição, há um jogo com a sua historicidade. Seja pela ideia de pomposidade das entradas monárquicas, seja pelos anjos que tocam nos céus, o seu carácter nesta obra não é festivo, mas de expiação.
O título tem uma semelhança fonética com purgatório. Talvez o meu inconsciente o tenha sugerido em homenagem a uma cultura que se curva.
Luís Neto da Costa, 2017