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Luís Tinoco é um dos mais activos e notáveis compositores da nova geração. Destacam-se em particular, nos últimos anos, obras baseadas em Fernando Pessoa e seus heterónimos, entre as quais Search Songs e From the Depth of Distance; obras de cena como Evil Machines (fantasia musical com libreto e encenação do Monty Python Terry Jones) e Paint Me (ópera de câmara com libreto de Stephen Plaice e encenação de Rui Horta); e ainda a cantata Passeios do Sonhador Solitário (com libreto de Almeida Faria) e Lídia (bailado com coreografia de Paulo Ribeiro). Refira-se ainda um conjunto de obras orquestrais recentemente estreadas internacionalmente, como Cercle Intérieur pela Orquestra Filarmónica da Radio France na Cité de la Musique em Paris, o Concerto para trompa aquando do 45º Simpósio Internacional de Tuba em Memphis nos EUA, FrisLand pela Orquestra Sinfónica de Seattle no Benaroya Hall da cidade de Seattle, O Sotaque Azul das Águas pela Orquestra Gulbenkian e pela Orquestra Sinfónica do Estado de São Paulo e, claro está, Incipit, no Rio de Janeiro, a 10 de Junho de 2015, e que resultou de uma encomenda da OPART, em resposta a um desafio conjunto da Secretaria de Estado da Cultura de Portugal e da Cidade das Artes e Orquestra Sinfónica Brasileira, com o intuito de celebrar os 450 anos do Rio de Janeiro.
A estreia em Portugal de Incipit deu-se a 15 de Maio de 2016 no Centro Cultural de Belém, pela Orquestra Sinfónica Portuguesa. Trata-se de uma obra de fôlego de um compositor que conduz de forma superlativa a escrita musical a par com o domínio das emoções e expectativas dos ouvintes.
Aquando da estreia da obra no Rio de Janeiro, Luís Tinoco escrevia que tinha partido do mais célebre moteto do compositor seiscentista Duarte Lobo, Audivi vocem de caelo, embora procurando evitar “uma colagem ao material citado. Na realidade, fazendo um paralelo com as artes plásticas, ao escrever esta peça pensei várias vezes na obra de Lucia Laguna – pintora fluminense que muito admiro. Nas suas telas encontramos fragmentações e desconstruções de paisagens ou espaços observados no seu estúdio sem fazer, contudo, uma representação ‘fiel’ e realista dessas imagens”.
É patente em Incipit umapreocupação clara de garantir que a presença das fontes de influência surja não como delimitadora e sim como libertadora da criatividade artística: “foi esta liberdade que procurei transportar, também, para um contexto musical. O ‘objecto musical’ representado surge, aqui, claramente assumido e definido; porém, à medida que a música progride, as suas formas vão sendo metamorfoseadas, quebradas, transpostas, fragmentadas e, idealmente, renovadas”. Neste processo de ‘desconstrução’, utilizando o termo empregue por Luís Tinoco, surge um último e simbólico objecto de inspiração “que procurei esconder, deixando-o quase imperceptível, inspirado no universo melódico de outro vulto que tanto admiro, o compositor carioca Tom Jobim”.
Deste modo contribui para uma verdadeira ponte entre o universo algo hermético da música contemporânea e aquele do melómano mais convencional.
Bruno Caseirão, 2016
Notas ao programa gentilmente cedidas pela Orquestra Sinfónica Portuguesa