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Apesar de ter exercido o cargo de director do Reichsmusikkammer (Gabinete de Música do Reich) entre 1933 e 1935, nomeado por Joseph Goebbels, o comportamento de Richard Strauss durante o regime Nazi e, sobretudo, durante a Segunda Guerra Mundial foi o de um “completo espectador”, de acordo com um oficial do Reichskulturkammer (Gabinete de Cultura do Reich).
Mas quando, em Outubro de 1943, um bombardeamento aliado destruiu completamente a ópera de Munique, Strauss, de 79 anos de idade, mergulhou numa profunda tristeza e indignação. “O incêndio do Teatro da Corte de Munique, onde o Tristão [e Isolda] e Os Mestres Cantores [de Nuremberga] foram estreados, onde ouvi pela primeira vez o Freischütz há 73 anos, onde o meu pai se sentou na estante do primeiro trompa durante 49 anos – foi a maior catástrofe da minha vida; não há consolação possível e, na minha idade, não há esperança”, escreveu.
Não espanta, portanto, que no Verão de 1944 Richard Strauss tenha começado a planear a composição de uma obra para orquestra de cordas na forma de uma oração fúnebre, de uma lamentação. A peça, intitulada Metamorfoses, foi efectivamente escrita na Primavera do ano seguinte, entre 13 de Março e 12 de Abril, um mês depois da cidade de Dresden ter sido alvo da força aérea da RAF e da USAAF. Para além da clara influência da obra homónima do poeta latino Ovídio, o musicólogo Timothy L. Jackson aponta a obra poética de Goethe, em especial o poema Niemand wird sich selber kennen (Ninguém se pode conhecer a si mesmo), como a principal fonte de inspiração para a concepção de Metamorfoses. Imerso numa profunda reflexão e introspecção, Strauss leu toda a obra de Goethe nos últimos anos da sua vida. O compositor esboçou uma peça coral baseada naquele poema e usou algum desse material em Metamorfoses.
Escrita para 23 instrumentos de cordas – 10 violinos, 5 violas, 5 violoncelos e 3 contrabaixos –, a obra é dedicada a Paul Sacher e ao Colegium Musicum de Zurique, que a tocaram em primeira audição mundial naquela cidade suíça a 25 de Janeiro de 1946.
Metamorfoses é uma obra contínua, uma espécie de perpetuum mobile onde não se vislumbra qualquer momento de paragem. De carácter sombrio e triste, este longo Adagio apresenta uma textura densa e uma escrita contrapontística intrincada onde abundam os cromatismos – em apenas dois compassos, a harmonia percorre onze das doze notas da escala cromática. À medida que a obra decorre, a tristeza parece dar lugar à esperança e ao lirismo; mas é uma esperança fugaz pois logo a seguir regressa o desespero e o desânimo. Nos compassos finais, Strauss utiliza três violoncelos e três contrabaixos para citar o início da marcha fúnebre da Sinfonia Heróica de Beethoven; por baixo da citação musical escreve: In Memoriam!
A 12 de Abril de 1945, dia em que Richard Strauss concluiu Metamorfoses, morria Franklin Roosevelt; dois dias depois, os Aliados tomaram Nuremberga; duas semanas mais tarde, Adolf Hitler suicidou-se.
Ana Maria Liberal, 2015
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