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  • “Escrevi Natures mortes em 2003, num período de uma certa crise pessoal, em que as minhas condições de vida, as minhas relações e o meu casamento estavam todos a desintegrar-se e eu tinha a impressão de que na minha vida as mesmas coisas voltavam sempre a acontecer, numa forma diferente. E é exactamente isso que é representado nesta peça musical: há três momentos, três fases, e cada uma delas conduz, como uma espiral, de regresso ao início”.

    – Georg Friedrich Haas

    (https://www.youtube.com/watch?v=Xy4Ejx7ylig)

     

    A música de Haas tem vários pontos de contacto com o Romantismo germânico do século XIX, ainda que eles não sejam evidentes numa primeira audição (de facto, a sua música não soa de todo como música do século XIX). A ligação de Haas ao Romantismo é, na verdade, mais profunda e subtil, pois situa-se ao nível não das técnicas composicionais, mas da atitude estética. Por exemplo, tal como os românticos (e ao contrário de muitos contemporâneos), Haas dá uma enorme importância ao aspecto das emoções: para ele, o objectivo central (e a medida do sucesso) de uma composição é mover as emoções do ouvinte. E, de novo como os românticos, Haas prefere a intuição e a espontaneidade à pura racionalidade, desconfiando de métodos de composição excessivamente formalizados (rejeita, por exemplo, a formalização informática de processos composicionais, a que recorrem muitos compositores actuais).

    Essa espécie de estética neo-romântica chega até ao ponto de valorizar o aspecto auto­biográfico como chave de leitura para a sua música, como o demonstra claramente a citação acima reproduzida. E não é caso único: também a propósito de in vain, obra de 2001 ouvida em Janeiro passado na Casa da Música, Haas falou de um impulso autobiográfico – neste caso a sua reacção de pesar face à ascensão ao poder dos neofascistas na Áustria. E Haas tem referido (desde 2016) como o seu casamento recente (e controverso) com Mollena Williams lhe permitiu libertar tendências antes reprimidas e tornar a sua música mais optimista.

    Natures mortes é ainda, porém, da fase pessimista (o próprio título tem, para além das ligações à pintura, essa conotação de morte e desolação). Como afirma o compositor, a obra divide-se em três fases (ou secções) claramente diferenciadas, cada uma delas organizada como uma espécie de espiral. Na primeira parte, depois de um acorde sinistro nas cordas, ouvimos uma gigantesca sonoridade em fortissimo, agressiva e ameaçadora, que se vai movendo, implacavelmente, em bloco: praticamente todos os instrumentos da orquestra tocam juntos, em homorritmia, dando a sensação de estarem sempre a descer, num primeiro momento, e a subir, num segundo, até ao ponto em que voltamos à sonoridade do início. Na segunda parte, toda a orquestra se junta numa pulsação rítmica rápida e regular, obsessivamente repetida, que ao fim de alguns minutos é travada, até voltarmos de novo à música (muito dissonante) do início da peça. Na terceira parte, Haas utiliza uma das suas técnicas preferidas (já mencionada a propósito de Torso): acordes construídos a partir da série de harmónicos, provocando uma sensação de consonância e um efeito mais contemplativo.

    Este plano formal revela outra das características do autor: um estilo plural, que mistura livremente referências e influências muito díspares. Por exemplo, ao ouvirmos a secção central da obra (a da pulsação repetida) é impossível não nos vir à mente a música minimal de Steve Reich, em especial a sua célebre obra Music for 18 Musicians, ainda que a ligação seja só a nível rítmico e não harmónico. Já a terceira secção, com os seus acordes resultantes da série de harmónicos, evidencia uma forte ligação à música espectral francesa de Gérard Grisey e Tristan Murail, inclusivamente no recurso ao chamado microtonalismo (utilização de notas musicais para além da escala de 12 notas do piano, permitindo, neste caso, aproximar mais rigorosamente às frequências da série de harmónicos). E as sonoridades mais dissonantes da primeira parte da peça evocam, na escolha dos intervalos (sétimas maiores e trítonos), a música atonal da Segunda Escola de Viena (sobretudo Schoenberg e Webern). Mas se há elementos atonais, minimais, espectrais e microtonais nesta obra (como na música de Haas em geral), ela não se resume a ser estritamente atonal, minimal, espectral ou microtonal – nem cabe em qualquer outro rótulo estilístico estrito.

     


    Daniel Moreira, 2018 

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