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I. Modéré, fantasque
VII. Hiératique
IV. Rythmique
III. Très modérée
II. Très vif, strident
A décadas de distância da música restante neste programa, as Notações de Pierre Boulez são o testemunho de outra forma de homenagear o exemplo de Debussy e seu espírito crítico, bem como a urgência de outro presente – particularmente cara a um compositor que escreve um artigo sem rodeios, intitulado “Schoenberg está morto” (1952), em que é denunciado e criticado o lado conservador da concepção dodecafónica de Schoenberg.
Ainda durante os seus estudos com Olivier Messiaen (harmonia avançada) e René Leibowitz (técnica dodecafónica), Boulez lançou-se à composição daquela que ficaria como a primeira das obras do seu catálogo oficial. As Doze Notações para piano, compostas em 1945, no rescaldo das inovações de Schoenberg, Berg e Webern, seguem sobretudo o exemplo deste último (esteticamente mais radical do que Schoenberg). Ainda não estamos perante o serialismo integral, que o compositor desenvolveria em breve aplicando os princípios seriais a outros parâmetros que não apenas as alturas. Não obstante, desde logo o número 12 (número “sacro” para os compositores identificados com o princípio dodecafónico) deixa antever a dimensão construtivista que subjaz ao material musical. Estas doze pequenas peças aforísticas têm todas doze compassos de duração e são baseadas na mesma série de doze sons, sendo que cada uma delas se inicia numa nota diferente da série, segundo o princípio da permutação circular (a primeira começa na primeira nota da série, a segunda peça na segunda nota, etc.). Contudo, esse formalismo assumido como herança da II Escola de Viena, a par da minúcia técnica colhida no exemplo de Webern, são contrapostas com uma rejeição da forma enquanto tabu, possibilitando elementos de espontaneidade sem desfigurar a solidez de construção – traço que, aliás, marcaria a identidade composicional de Boulez. Não se foge à repetição de notas, ao destaque de figuras específicas tratadas com relevo quase temático, nem a um fluxo emocional discernível (crítica frequente dos mais ferozes opositores do compositor).
Boulez tinha já ensaiado uma transcrição orquestral das Notações no ano seguinte à sua composição, entretanto abandonada. Sempre pronto a reequacionar ideias, a revisitar e “recompor” material, empreenderia trabalho orquestral baseado nestas peças a partir do final da década de 1970, terminando ao longo dos anos versões orquestrais das Notações I-IV (estreadas em 1980) e VII (composta em 1997 e estreada em 1999). O mais interessante destas versões orquestrais, para além do resultado já fascinante em termos puramente tímbricos, é que não são meras transcrições, mas sim versões expandidas (em duração e em escopo) da mesma ideia musical que preside à composição do aforismo pianístico original. O rigor técnico da composição e o virtuosismo orquestral combinam-se em páginas extraordinariamente vivas e diversificadas, agarrando o ouvinte numa alternância entre passagens contemplativas e peças de bravura que torna esta uma das mais ricas experiências do repertório orquestral.
Pedro Almeida, 2016