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“Podemos considerar uma narrativa como uma cadeia de eventos, ocorrendo no tempo e no espaço, e estando ligados por uma lógica de causa e efeito. (...) Tipicamente, uma narrativa começa com uma situação (princípio); segue-se um conjunto de mudanças, de acordo com um padrão de causalidade (meio); finalmente, surge uma nova situação, que encerra a narrativa (fim).”
David Bordwell, “Film Art: An Introduction” (2008)
Assim define Bordwell o conceito de narrativa, num livro dedicado aos fundamentos básicos do cinema. Poderá o mesmo conceito ser aplicado à música, mesmo quando esta é instrumental? É, na verdade, uma questão polémica. Em todo o caso, parece certo que pelo menos algumas obras musicais podem ser descritas em termos de um padrão de princípio, meio e fim. Três exemplos hipotéticos: uma peça pode começar com uma situação musical relativamente estável (princípio), criar cada vez mais tensão (meio), para finalmente resolvê-la, voltando a uma situação estável (fim); ou então, começar numa situação musical complexa e caótica, e tornar-se gradualmente mais simples e ordenada; ou exactamente o contrário, caminhando da ordem em direcção ao caos.
A ideia de base desta Paisagem do Tempo é apresentar uma mesma narrativa várias vezes, em diferentes versões. Numa delas, a história é contada lentamente e de forma linear; noutra, conta-se apenas parte da história, e de modo muito rápido, precipitado; a história pode ser interrompida numa dada versão, para ser retomada noutra, a partir do mesmo ponto; os elementos da história podem também aparecer de modo mais fragmentado, sem direcção clara (como memórias soltas da narrativa); ou então, podem ser congelados no tempo, numa paisagem estática e contemplativa, como se o tempo dilatasse. Todas estas versões acontecem na peça, não necessariamente – de resto – na ordem referida.
Assim se sugerem múltiplas referências cinematográficas: por exemplo, umas versões podem funcionar, em relação a outras, como flashbacks ou flashforwards; a versão rápida da história sugere um fast‐forward; a versão mais estática, uma passagem em câmara lenta.
Tudo isto é – evidentemente – muito abstracto. Num filme ou romance, poder-se-ia facilmente detectar a presença das várias versões da história. A música, contudo, tende a ser mais abstracta e ambígua. Talvez todas estas ideias fiquem apenas como um ponto de partida do compositor, e não sejam realmente perceptíveis em concerto. Em todo o caso, sentir-se-á o contraste entre partes mais dinâmicas e outras mais estáticas, partes mais lineares e outras mais caóticas, e entre desenvolvimentos mais lentos e graduais, e outros mais rápidos e precipitados. E – além disso – ficará provavelmente a sensação de que estamos sempre a revisitar as mesmas ideias musicais. Alguns exemplos destas ideias – ou personagens – recorrentes, que atravessam várias versões da história: nos violinos, linhas melódicas intensas e expressivas; nos metais, ritmos marcados e marciais, com sonoridades duras; nos clarinetes, movimentos rápidos e oscilantes; na celesta e glockenspiel, movimentos virtuosísticos em registo muito agudo; nos tímpanos, acentuações peremptórias; nos fagotes, notas repetidas, em movimento acelerado; na trompete, linhas enérgicas mas expressivas.
Daniel Moreira, 2013