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Há um consenso generalizado em redor do estatuto que Luís de Freitas Branco alcançou enquanto “introdutor do modernismo” em Portugal. Quanto a esse respeito, também não restam dúvidas que a obra‑chave nesse processo foi o poema sinfónico Paraísos Artificiais, peça terminada em Berlim no ano de 1910 e estreada em Lisboa a 9 de Março de 1913, precisamente há 100 anos.
A inspiração para a obra partiu da leitura de Les paradis artificiels (1860), livro de Baudelaire onde o autor traduz para francês grandes excertos do livro de Thomas Quincey, Confessions of an Opium Eater, que Freitas Branco terá lido quando estudou em Paris. Numas notas que o próprio compositor escreveu para a estreia inglesa de Paraísos Artificiais, podemos ler que a primeira e a secção central da obra representam “Os prazeres” e a terceira secção “As torturas do ópio”.
O jogo de coloridos orquestrais que associamos aos compositores impressionistas franceses do início do século XX é ideal para criar este tipo de “arte da sugestão”, na qual se transmite uma experiência mais sensorial da música. No livro original de Quincey, o autor descreve as sensações de «estar à distância e acima dos ruídos da terra », uma experiência sensorial delirante que numa primeira fase é radiante e maravilhosamente reveladora, mas que depois mergulha o indivíduo num grande sofrimento, um pesadelo do qual não consegue despertar.
Não admira pois que a obra comece com doçura, sem levantar grandes contrariedades (para a época), e que termine de forma dissonante, uma alusão aos dois sentimentos que o consumidor de ópio experiencia. É um pouco como reviver as mesmas experiências em prismas opostos, razão pela qual os mesmos motivos musicais são repetidos de forma completamente diferente.
Para termos uma ideia da novidade que a obra representou na época, podemos referir as associações musicais que Alexandre Delgado estabelece entre Paraísos Artificiais de Freitas Branco, Daphnis et Chloé de Ravel e A Sagração da Primavera de Stravinski, sendo que estas duas obras capitais da história da música foram escritas posteriormente.
A recepção da obra aquando da sua estreia foi tudo menos consensual, como seria de esperar no meio musical extremamente conservador da capital portuguesa.
Rui Pereira, 2013