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1. Promenade
2. Gnomos
3. Promenade
4. O Velho Castelo
5. Promenade
6. Os Jardins de Tuilleries (Crianças a brincar durante um jogo)
7. Bydlo - Carroça
8. Promenade
9. Bailado dos passarinhos dentro das suas cascas
10. Samuel Goldenberg und Schmuyle (O Judeu Rico e o Homem Pobre)
11. Promenade
12. Limoges, o mercado
13. Catacombae (Sepulcrum romanum) Cum mortuis in lingua mortua
14. Baba-Yaga, a cabana sobre patas de galinha
15. A Grande Porta de Kiev
As diferentes peças para piano que compõem os Quadros de uma exposição, obra para piano escrita em 1874 por Modest Mussorgski (1839‑1881), foram inspiradas numa colecção de quadros do pintor Victor Hartmann que faleceu um ano antes. Estão estruturadas como se fossem quadros dentro de uma exposição. O tema inicial que surge em quatro locais diferentes representa a promenade, ou seja, o caminho que o visitante percorre entre cada quadro ou cada sala do suposto museu. De cada vez surge de um modo diferente, como se cada quadro visionado mudasse o estado de espírito do observador.
O primeiro quadro ilustra um Quebra‑Nozes em forma de Gnomo e reproduz um ambiente de conto fantástico. O segundo representa um trovador que canta uma triste melodia às portas de um Velho Castelo. Uma promenade de tom glorioso leva o ouvinte para o jardim das Tuileries, onde brincam as crianças e as suas amas trocam bisbilhotices. Neste terceiro quadro, a atenção para o detalhe vai crescendo lentamente e é musicalmente exemplificada com o recurso à polifonia, aumento de textura e ao surgimento de novos episódios. Sem promenade, como se o visitante da exposição olhasse agora para outro quadro sem se deslocar, avistamos uma cena rural polaca em Bydlo. Este é um dos quadros que levanta mais questões de identificação com a imagem. Existem duas teorias: segundo uma, representa a pesada roda de um carro de boi; segundo a outra, representa um massacre de polacos (a palavra “bydlo” seria na época aplicada por russos para se referirem a polacos num tom depreciativo).
A seguinte promenade é agora retratada de forma mais delicada do que a anterior. A imagem que se segue é muito curiosa: crianças vestidas com cascas de ovo ilustram o figurino para um bailado (Bailado dos passarinhos dentro das suas cascas). O diálogo entre um judeu rico e um judeu pobre é magistralmente exemplificado pelas diferenças de textura e ritmo, sendo fácil identificar quem é quem em Samuel Goldenberg und Schmuyle. Segue‑se uma nova promenade em Allegro. Grande confusão podia ser o nome de Limoges, o mercado, onde os feirantes apregoam as suas vendas por entre um animal que foge e cria a maior agitação.
O ambiente torna‑se pesado nas Catacumbas debilmente iluminadas por uma candeia. O ouvinte percorre estes túneis e vai adivinhando o misterioso percurso que o conduz a um sepulcro. O tema da promenade vai surgir com uma cor sombria em Cum mortuis in lingua mortua, lembrando o visitante da sua mortalidade.
A música prossegue com uma belíssima ilustração do macabro e grotesco de uma figura mítica e fantástica dos contos da velha Rússia: é a bruxa Baba-Yaga, que vive numa cabana erguida sobre patas de galinha.
Um cenário grandioso termina esta sucessão de Quadros. As Portas de Kiev, um desenho do próprio arquitecto Victor Hartmann, são aqui retratadas com uma solenidade processional que combina dois mundos bem expressos em toda a obra: o sagrado e o profano. O seu tema é reminiscente da própria promenade.
Estes quadros são um dos marcos de virtuosismo da escrita pianística, sendo que a construção dramática da obra como um todo representa um desafio ainda maior do que o repto técnico de algumas das suas passagens verdadeiramente transcendentais.
Rui Pereira, 2013