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Nikolai Miaskovski foi um dos compositores soviéticos mais premiados durante o período estalinista. Nas décadas de 40 e 50 recebeu o Prémio de Artista do Povo da URSS e diversos Prémios Estatais Estaline pelas suas obras. Contudo, o seu percurso foi variado e o eclectismo do seu estilo torna difícil o seu enquadramento enquanto simples promotor do realismo socialista nas formas sinfónicas. Miaskovski nasceu na região da Polónia que pertencia ao Império Russo e a sua família destinou-o à carreira militar. Paralelamente, realizou estudos musicais particulares. Mais tarde mudou-se para São Petersburgo, onde concluiu os estudos militares e colaborou com diversos agrupamentos musicais. Após uma breve passagem por Moscovo, foi transferido para São Petersburgo, onde ingressou no conservatório. Nessa instituição, onde se matriculou em 1903, foi aluno de Rimski-Korsakoff, Jāzeps Vītols e Anatoli Liadov, e colega do jovem Sergei Prokofieff. Prokofieff e Miaskovski cultivaram uma longa amizade, reflectida na correspondência trocada entre ambos. Miaskovski concluiu os estudos nessa instituição em 1911, num período de grande instabilidade política.
O poema sinfónico Silêncio data desse período de formação, situando-se na transição do Romantismo para o Modernismo. A síntese dessas duas estéticas empreendida pelo compositor será crucial para o desenvolvimento da sua carreira após a Revolução de 1917. Composto para orquestra em 1909, a integração de Silêncio na série de Concertos Ziloti em São Petersburgo foi recusada pelo próprio Alexander Ziloti, pianista, maestro, mecenas e promotor de concertos. Com a impossibilidade da apresentação em São Petersburgo e graças à intervenção do editor Vladimir Vladimirovitch Derzhanovski, a obra foi estreada em Moscovo a 12 de Junho de 1911. A primeira apresentação de uma obra orquestral de Miaskovski teve lugar sob a batuta de Konstantin Saradjev num concerto realizado no Parque Sokolniki.
Silêncio foi inspirado num conto escrito pelo americano Edgar Allan Poe em 1837. Apesar de ter vivido na primeira metade do século XIX, a sua obra foi descoberta noutros países no final do século XIX, graças à circulação de traduções. Paralelamente, a sua relação com o Simbolismo emergente e as suas temáticas tornaram-na atractiva para o público do final do século. O conto em que Silêncio se baseia narra a história de um demónio que conta ao receptor que estava a atormentar um homem numa paisagem que inclui bosques e um rio. Contudo, o homem pouco se perturbava até que o demónio lhe lançou a maldição do silêncio. De repente, todos os sons da natureza se calaram e o homem, que até então tudo tinha suportado, fugiu cheio de terror. O “conto orquestral” deMiaskovski traduz essa narrativa em música. Naquela época, o tardo-Romantismo russo encontrava-se muito ligado à promoção da música sinfónica, recorrendo a uma orquestração exuberante de forma a reforçar o carácter narrativo das formas. Escrito para grande orquestra, Silêncio não escapa a essa tendência. A obra, de cariz rapsódico, inicia-se com uma introdução lenta e escura, baseada nas cordas mais graves. Seguidamente, o material temático principal é introduzido e a narrativa segue em crescendo até atingir um momento de forte expressividade. Esse material temático vai emergindo ao longo da narrativa, apontando para uma forma cíclica. Por vezes Miaskovski recorre a escalas de tons inteiros de forma a enfatizar o carácter sobrenatural do conto, estratégia já usada pelo seu professor Rimski-Korsakoff.
Silêncio enquadra-se numa estética tardo-romântica com fortes influências do Simbolismo, preconizando a inflexão estilística do compositor para as tendências expressionistas do Modernismo, patente em obras posteriores. Assim, a obra apresenta-se como um embrião dos vários estilos que Miaskovski cultivou ao longo da sua carreira. Contudo, nem todos foram aprovados e sancionados pelas autoridades soviéticas, reflectindo a ambivalência das relações entre artistas e regimes autoritários.
João Silva, 2016