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1. Moderato cantabile, molto espressivo
2. Allegro molto
3. Adagio non troppo – Fuga: Allegro ma non troppo
“No regresso da sua estadia em Mödling, já no fim do Verão, Beethoven sentou- se na escrivaninha e escreveu as três sonatas op. 109, 110 e 111 de uma assentada.”
– Anton Schindler, 1840
A afirmação do biógrafo Anton Schindler sobre a composição das três últimas sonatas de Beethoven é uma daquelas frases ditas no fulgor de um enaltecimento e não deve ser levada a sério. No entanto, contribuiu ao longo de muito tempo para uma ideia de que as grandes obras musicais eram o resultado de um rasgo de inspiração momentâneo que era facilmente traduzido na pauta musical. Como comprovam os esboços destas sonatas, incluindo a que vamos ouvir, esta ideia não podia ser mais errada.
Ao contrário de Schubert, que terá composto as suas três sonatas derradeiras num árduo mês de trabalho, Beethoven demorou três anos a escrever as suas três últimas Sonatas para piano (1820 a 1822). Muitos dos estudos feitos para a primeira viriam a ser utilizados nas duas restantes, e a condensação de ideias que iremos escutar na Sonata op. 110 foi o resultado de um intenso trabalho intelectual.
Sonata para piano n.º 31 em Lá bemol maior, op. 110
A característica que mais distingue os dois compositores nestes exemplos é mesmo o poder de síntese de Beethoven. No primeiro andamento da Sonata op. 110, após uns breves acordes pontuados ao estilo de um coral (apenas quatro compassos), Beethoven apresenta um tema ao estilo de cantilena com um característico acompanhamento em ritmo ternário na mão esquerda (sete compassos), o qual transita do seu carácter melódico para uma rápida figuração ao estilo de cadência. Esta é igualmente encadeada num jogo melódico entre as duas mãos que lembra uma caixinha de música e prova a evolução do gesto pianístico na obra de Beethoven. Ao longo do desenvolvimento são estes os três motivos que partilham todo o protagonismo.
O ímpeto característico de Beethoven, marcado por súbitas diferenças de dinâmica e fortes acentuações em determinadas notas, comanda o rápido segundo andamento, um Allegro molto de divisão binária.
O terceiro andamento talvez esclareça a razão por que Beethoven não dedicou esta obra a ninguém em particular. Segundo o grande pianista Wilhelm Kempf, a sonata era dedicada ao próprio compositor. O Adagio ma non troppo com a indicação de pedal una corda dá início a uma evocação orquestral própria de uma cena de ópera, à qual responde um recitativo a solo de um cantor. Este recitativo atinge um clímax ao tom de súplica apenas comparável ao andamento lento da Sonata op. 106. O detalhe de indicações do foro expressivo é controlado ao mínimo detalhe, facto extraordinário para um homem que estava surdo e não conseguia ouvir o que tocava. O andamento prossegue com uma fuga em compasso binário de subdivisão ternária e onde se explora de novo o ritmo pontuado com acentuação para o tempo forte. Este tipo de escrita contrapontística só viria a encontrar paralelo na obra de Mendelssohn e representa quase sempre uma libertação do mundo das emoções pela disciplina implícita na própria técnica de composição. É entre essa disciplina regulada pela razão e o tema do arioso, onde a expressão das emoções rege a música, que se desenrola todo o andamento e termina a sonata.
Helena Marinho, 2013