-
1. Crucifix
2. Ailes
3. Mauresque
4. Invocation
Esta composição resulta de três viagens íntimas:
1ª viagem: ao encontro de Lully, de Marin Marais e do universo das suites de bailado do barroco francês. Extraordinária aí a capacidade de transmutar guerra em dança, sofrimento em timbre, política em coreografia. A dança como alegoria vestibular da morte remonta à vida rupestre de há 30.000 anos e nela provavelmente reside uma das origens da música.
2ª viagem: ao encontro do drama Maria Stuart (estreado em 1800) de Friedrich Schiller. O ritmo prosódico das duas últimas páginas de texto, antes de Maria subir ao cadafalso, contém a matriz rítmica de toda a composição musical. O itinerário poético destes últimos momentos de vida da rainha articula também a sequência dramática da peça: o crucifixo nas mãos, o voo das memórias, a presença de um corpo ainda cheio de vida e, finalmente, a despedida.
3ª viagem: ao encontro da Crucificação (ca. 1460) de Paolo di Dono, dito Uccello, um quadro que sempre me fascinou. O formalismo da cena põe em relevo os movimentos de quatro personagens que parecem executar uma dança simbólica em redor de um Cristo espectador. Apesar das roupagens, reconhece-se nas figuras de Uccello um profundo conhecimento da anatomia humana. De Paolo di Dono, é sobretudo conhecida a sua paixão pelo estudo científico da perspectiva. A alcunha de uccello (pássaro) deve-se, porém, à sua obsessão com o desenho de pássaros e de elementos naturais, à qual se entregava noite adentro. Para mim, o estudo das anatomias animais encontra um equivalente no estudo dos instrumentos e da sua orquestração.
António Chagas Rosa, 2007