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Sete perguntas a Oscar Bianchi
“O público como artista” é o mote deste projecto, que esbate as fronteiras entre artista e ouvinte. O que significa isto no que respeita ao papel do compositor? Que elementos do projecto te interessaram e como abordaste esta encomenda?
Trabalhei recentemente, entre outros projectos, em teatro musical que incluía também intérpretes não profissionais (bailarinos e actores). Neste caso foi-me exposta a necessidade de incluir ‘não profissionais’ para produzir som e conteúdo musical que teria de ser simultaneamente valioso (de acordo com os meus próprios padrões enquanto compositor contemporâneo) e dramaturgicamente digno. Assim, o projecto CONNECT surgiu exactamente no momento em que eu queria continuar a explorar e a redefinir o meu papel enquanto compositor (…).
Além de serem vários ensembles a interpretar esta peça, o principal foco é a comunicação e a interacção com o público. De que forma o público é envolvido na acção musical?
Para evitar que o público tenha uma função meramente ornamental, decidi fazer da plateia o elemento central da performance. Tanto o conteúdo como a estrutura musical são, por vezes, da responsabilidade do público. A estrutura dos intérpretes é, assim, formada pelos músicos e pela plateia, e ambos se articulam em diferentes momentos da peça. Resulta que estas duas instâncias (músicos e público) vão partilhar o mesmo universo, tanto através da capacidade de ‘desencadear’ material musical como articulando-o, por si só ou em conjunto.
Como preparam o público?
Com os workshops antes do concerto, o público vai aprender e ensaiar algumas formas de fazer música com o ensemble: desde usar a voz (não apenas no sentido vocal) a tocar com objectos do quotidiano ou brincar com cabeças de flauta. Além de praticar e preparar a peça, vamos poder partilhar com o público que fazer música, de facto, é muito mais do que manipular alturas e dinâmicas. É um acto performativo, uma dimensão da vida que ocasionalmente se move da experiência táctil para dimensões ‘interiores’, envolvendo força, enraizamento, bem como humor ou leveza.
De que forma o público pode influenciar a peça [antes e durante a performance]? Qual é o rácio entre os elementos pré-determinados e aqueles que o público pode influenciar?
Estou a trabalhar com um modelo formal e composicional que tem como objectivo envolver e celebrar todos os protagonistas: público e ensemble. Numa performance quase contínua, o ensemble faz parte do público ao executar algo que este solicita, enquanto se emancipa pontualmente para um momento mais instrumental e/ou uma parte individual. Desta forma, o material sonoro, que surge frequentemente do que o público faz, e o mecanismo formal será organicamente entrelaçado com o jogo instrumental e o desempenho do ensemble.
Como lidas com o desconhecido – a imprevisibilidade do público – na composição?
A imprevisibilidade e a definição padrão de uma partitura musical formam uma espécie de antítese. Estou portanto a trabalhar num sistema de notação que tem isso em consideração. Algumas partes estão escritas como se se tratasse de um argumento para uma peça teatral, por exemplo.
Esta peça é apresentada sucessivamente em quatro cidades europeias. Imaginas que a diversidade de contextos culturais e relações com a música leve os públicos a agir e reagir de formas diferentes?
Absolutamente. Julgo que o que num país pode ser considerado hilariante, noutro pode ser percepcionado como hediondo, e vice-versa. Mas essa é a parte interessante, certo?
As expectativas para estes concertos diferem das que terias para um concerto tradicional?
Sem dúvida que conto experienciar algo no domínio do imprevisto, mas principalmente na esfera das energias e interacções. Uma experiência intensa, sim, mas também deliberadamente caótica, alegre (se possível) e, espero, muito animada.
© Ensemble Modern Magazin, Janeiro 2018, n.º 47
Tradução: Liliana Marinho