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  • O costume de abrir um concerto com uma sinfonia ou uma abertura de ópera, como vinha sendo prática comum desde o século XVIII, revelar-se-ia em certa medida insatisfatório: uma sinfonia era demasiado longa para o efeito; uma abertura de ópera pressupunha um enredo musical e dramático descontextualizado do programa restante. O cenário estava criado para o aparecimento de um novo género: a abertura de concerto.

    Coube a Felix Mendelssohn (1809-1847) dar o passo inicial aos dezassete anos, com a Abertura para Sonho de uma Noite de Verão, baseada na peça de Shakespeare. Com esta e outras aberturas, compostas posteriormente – As Hébridas (ou A Gruta de Fingal), Mar Calmo e Viagem Próspera (inspirada em poemas de Goethe) ou A Bela Melusina, que abre o concerto de hoje – ficou definida a abertura de concerto: um pequeno devaneio orquestral associado a uma narrativa extra-musical e menos intricado do que o típico discurso sinfónico, contendo elementos vagamente ilustrativos de pendor naturalista. Para repertório deste género e de outros tipicamente românticos (como o lied ou a ópera “mágica”) muitos compositores encontraram nas lendas e contos fantásticos do folclore dos países nórdicos um recurso estimulante, como foi o caso da história de Melusina.

    A meia-sereia Melusina, filha de um homem e de uma ondina (ninfa da água), carrega consigo uma maldição: todos os sábados a sua figura se transforma em serpente da cintura para baixo. Conhece entretanto um cavaleiro e casa-se com ele, sob a condição de não se encontrarem aos sábados, mantendo assim a maldição em segredo. Os dois amantes vivem felizes, mas a curiosidade do cavaleiro leva-o a quebrar o prometido. Descoberto o segredo, Melusina é condenada a viver eternamente sob a forma de serpente. O libreto base utilizado por Mendelssohn, inspirado na lenda medieval, é da autoria do vienense Franz Grillparzer, que o cedeu a Beethoven na esperança de que este escrevesse uma ópera a partir dele. Beethoven recusou a proposta e seria Constantin Kreuzer a concretizá-la, sem grande sucesso, abrindo o caminho à tarefa que Mendelssohn levaria a cabo com a composição desta abertura, em 1834. Não se trata ainda de “música programática” no sentido estrito do termo definido por Franz Liszt. Embora diferentes formas de arte apareçam aqui conjugadas (quimera tão cara ao ideal romântico, que promovia esse esbatimento de fronteiras) não se testemunha uma ruptura com as directivas formais clássicas subordinada à componente extra-musical (o que seria típico de um género programático, como o poema sinfónico). Evidencia-se, ao invés, a rigorosa formação de Mendelssohn nos moldes da tradição fixada por Haydn, Mozart e Beethoven, mantendo na peça o princípio estrutural da forma-sonata e nele enquadrando retratos dos ambientes da história. É o caso da linha “aquática”, ondulante e recorrente que aparece desde o início da obra, simbolizando Melusina (e que servirá de inspiração para a música que abre O Ouro do Reno de Wagner) ou do segundo material temático, contrastante e mais instável, em que se faz o retrato da maldição e do segredo que ela constitui. Na partitura abundam melodias elegantes e por vezes singelas (remetendo para o quadro campestre inerente ao conto) e ressaltam as colorações instrumentais que Mendelssohn soube conjugar com equilíbrio entre pertinência e sobriedade.


    Pedro Almeida, 2015

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