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Comparado com a maior parte dos instrumentos da orquestra, o clarinete é relativamente jovem. A primeira menção que lhe é feita surge em 1710, em Nuremberga, numa nota de encomenda de um par de clarinetes a um construtor de instrumentos musicais. Pouco depois, entre 1712 e 1715, publicam-se em Amesterdão as primeiras partituras com música para este instrumento. Até 1750, contudo, a utilização do clarinete é relativamente esporádica (apesar de importantes contributos de Vivaldi e Händel). Só na segunda metade do século XVIII é que se dissemina, evidenciando-se os papéis da Orquestra de Mannheim (que teria dois clarinetistas desde 1758) e de Mozart, em especial pelas obras que compôs para o grande clarinetista Anton Stadler. Entre elas destaca-se o Quinteto com clarinete (de 1789) e o Concerto para clarinete e orquestra (de 1791), tendo ambos decisivamente contribuído para o alargamento dos recursos técnicos do instrumento.
O aperfeiçoamento técnico do clarinete continuou no início do século XIX, graças também, em parte, a colaborações entre compositores e instrumentistas: Spohr, por exemplo, trabalhou com o clarinetista Hermstedt; e Weber e Mendelssohn, ambos com Heinrich Baermann. Estas colaborações foram cruciais para o desenvolvimento do instrumento, que cada vez mais passou a ser um membro regular – e mesmo indispensável – da orquestra.
O concerto que hoje ouvimos data deste período, mais especificamente de 1811, ano em que Weber compôs ainda um segundo concerto. O primeiro concerto, em particular, testemunha a prodigiosa invenção melódica do compositor e a sua capacidade para definir ambientes expressivos contrastantes (ao que não será alheia a sua experiência – e comprovado sucesso – no domínio da ópera). Evidencia, também, a sua imaginação tímbrica e sonora, tanto na exploração dos diferentes registos do clarinete (do mais grave ao mais agudo) como da sua combinação com a orquestra. Especial destaque merece o andamento lento, em cuja parte central Weber combina o clarinete com três trompas: um efeito verdadeiramente original e atmosférico, certamente inédito à data da composição.
De acordo com as convenções, a obra estrutura-se em três andamentos, o primeiro e o último rápidos, o intermédio lento. O primeiro andamento é, de todos, o mais dramático. A introdução orquestral é particularmente impetuosa, sugerindo até um ambiente trágico. O clarinete entra então, lamentoso, mas muda gradualmente de carácter, tornando-se mais activo, brilhante, virtuosístico. Depois disso, o ambiente fica muito mais ligeiro e delicado, com uma melodia doce no clarinete, sobre um pano de fundo discreto nas cordas. E fica, assim, lançado o mote para todo o andamento: uma música feita de constantes contrastes, como se se estivessem apresentando diferentes personagens numa ópera.
O segundo andamento tem uma estrutura ternária (ABA). Na parte A, ouvimos um clarinete lírico e sonhador, sobre um acompanhamento simples nas cordas. A parte B contém dois pequenos episódios, totalmente contrastantes: primeiro, um momento um pouco mais escuro e dramático, com uma escrita mais virtuosística no clarinete; e, depois, a já referida combinação do clarinete com três trompas (sem dúvida, uma das passagens mais especiais de toda a obra).
O terceiro andamento é, de todos, o mais descontraído. A escrita do clarinete é predominantemente brilhante e virtuosística, acompanhando-a a orquestra em jeito sempre divertido. A meio do andamento, contudo, há uma passagem mais lírica, que dá ainda mais destaque à exuberante alegria da conclusão.
Daneil Moreira, 2015
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